Regulação da Cannabis sativa para fins medicinais atrairá investimentos bilionários
No momento, todos os olhos e atenção estão voltados para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. A expectativa é de que ainda em outubro esta Agência regule o uso da cannabis medicinal no País. Se editada, a nova regulação permitirá o cultivo controlado de Cannabis sativa para fins medicinais e o registro de medicamentos produzidos com princípios ativos da planta no País.
Essa agenda regulatória não é uma questão essencialmente brasileira. Esse tema tem mobilizado a sociedade, a comunidade científica e as autoridades sanitárias mundo afora. Atualmente, aproximadamente 40 países já autorizaram o uso da cannabis para fins medicinais e a Anvisa busca agora ir de encontro às tendências sanitárias internacionais.
A iminente regulação do uso de substâncias extraídas dessa planta em medicamentos trará não só benefícios no campo social, já que há inúmeras pesquisas científicas atestando o benefício terapêutico propiciado pelas substâncias encontradas na cannabis, como também trará ganhos econômicos – a consultoria americana New Frontier Data estima que o “cannabis business” seja capaz de atrair investimentos na ordem dos 5 bilhões de dólares nos próximos três anos, alavancando a economia.
Existe uma demanda nacional reprimida que pode vir a ser beneficiada com tal medida. Isto porque estudos e pesquisas relacionados aos campos da neurologia, da psiquiatria, da imunologia e da oncologia mostraram resultados positivos, que melhoram a saúde e bem-estar dos pacientes acometidos por efemeridades graves, tais como epilepsia, doença de Parkinson, esclerose múltipla, autismo e neoplasias malignas.
A Anvisa tem, ao longo dos últimos anos, demonstrado uma flexibilização quanto ao tema. Desde a edição da RDC 17/2015, é permitida a importação de medicamentos à base de substâncias presentes na Cannabis para pacientes em tratamentos de saúde. Entre 2015 e 2019, mais de 9.000 autorizações foram concedidas pela Anvisa para a importação de medicamentos elaborados a partir de extratos da planta.
Outros sinais dados pela Anvisa para a regulação da Cannabis sativa foram a sua inclusão na lista de plantas medicinais em 2017 e a concessão do primeiro registro de medicamento à base de THC e Canabidiol – o Mevatyl, indicado para o tratamento de esclerose múltipla.
A regulação da Cannabis medicinal pela Anvisa ganha relevância no cenário nacional a medida em que cresce o número de decisões judiciais autorizando a importação de medicamentos com tais substâncias em sua composição e o cultivo da planta para fins terapêuticos.
Em decisão recente, a 1ª vara do Juizado Especial Criminal do TJ/RO concedeu permissão para os pais de uma criança diagnosticada com autismo e graves crises de epilepsia cultivarem maconha (Cannabis sativa) para fins medicinais. Em outro caso, a Seção Judiciária Federal do Paraná concedeu Habeas Corpus para que uma paciente que luta contra câncer de estômago não seja presa pela importação de sementes de Cannabis, bem como por seu plantio, cultivo e extração de óleo e flores para fins medicinais.
Recentemente, duas consultas públicas promovidas pela Anvisa para a criar regras claras e transparentes sobre esse tema foram encerradas:
Consulta Pública nº 654/2019 – dispõe sobre o registro e monitoramento de medicamentos à base de Cannabis spp., seus derivados e análogos sintéticos, cuja indicação terapêutica seja restrita a pacientes com doenças debilitantes graves e/ou que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica.
- A Anvisa recebeu 594 contribuições para alterar a proposta em discussão, dentre as quais a maioria delas foi encaminhada por pessoas físicas residentes nos Estados de São Paulo (32.24%), Minas Gerais (11.90%) e Rio de Janeiro (11.03%).
Consulta Pública nº 655/2019 – dispõe sobre os requisitos técnicos para o cultivo da planta Cannabis spp. por pessoas jurídicas autorizadas pela Anvisa e destinada exclusivamente para fins medicinais e científico.
- A Anvisa recebeu 560 contribuições para alterar a proposta em discussão, dentre as quais a maioria delas foi encaminhada por pessoas físicas residentes nos Estados de São Paulo (29.67%) e Rio de Janeiro (11.54%).
Muito embora a sociedade tenha destacado pontos positivos com relação às propostas apresentadas pela Anvisa para a regulação do cultivo, registro e monitoramento de medicamentos à base de Cannabis spp. (i. e. avanço em pesquisas científicas, ampliação do acesso seguro à medicação e redução do seu custo, melhoria da qualidade de vida dos pacientes, crescimento econômico, geração de empregos, aumento da arrecadação tributária redução de ações judiciais para compra de medicamentos à base de cannabis), há uma forte preocupação da sociedade no sentido de que se esta Agência cederá ou não às pressões políticas e da indústria farmacêutica.
Isto porque os textos em discussão não contemplam a possibilidade do cultivo por pessoas físicas, associações e empresas de pequeno porte, o que pode vir a ser considerado favorecimento às grandes indústrias. Existe um temor de que as farmacêuticas venham a comercializar os medicamentos a preços elevados, ou até mesmo que esse cenário contribua para a formação de oligopólios e monopólios.
Ainda que a Anvisa tenha prerrogativa legal para decidir sozinha sobre o uso das substâncias derivadas da cannabis, a preocupação atual no ambiente de investimento são algumas sinalizações contrárias por parte do Governo Federal quanto à liberação do plantio, ainda que para fins medicinais.
Resta-nos aguardar o posicionamento da Anvisa para sabermos se esta Agência cederá às pressões políticas e da indústria farmacêutica, ou se prezará pela democratização da cannabis medicinal.
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