Teoria da Imprevisão e Oportunismo
A pandemia do novo coronavírus tem causado problemas nas relações com contraprestação pecuniária. Alguns negócios são afetados até mesmo por atos diretos do Executivo. São exemplos as determinações de paralisação das atividades consideradas não-essenciais. Outros negócios, ainda que com atividades permitidas, também são afetados.
Essas relações normalmente são privadas e podem ser livremente negociadas. Isso tem levado as partes a negociar soluções possíveis. Como regra, elas têm encontrado e aplicado tais soluções. Excepcionalmente, porém, não as encontram e têm se socorrido do Poder Judiciário.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”) tem exercido papel importante no deslinde dessas questões. Pesquisa recente permite verificar não apenas a tendência do TJSP e, provavelmente, do Judiciário como um todo, mas também o perfil dos que dele se socorrem.
Mesmo sem consenso absoluto, o TJSP tem admitido a tese de que a atual pandemia justifica a aplicação da teoria da imprevisão. Incorporada no art. 317 do Código Civil, essa teoria acolhe a tese segundo a qual, por motivos imprevisíveis, há desproporção manifesta entre o valor da prestação devida à altura da contratação e em momento posterior. Notem que o motivo há de ser imprevisível e causar, não qualquer desproporção, mas sim desproporção manifesta (i.e., óbvia, incontestável).
O TJSP tem acolhido a teoria da imprevisão, principalmente, em contratos por tempo indeterminado e que impõem custos essenciais à própria sobrevivência de uma das partes. São vários os contratos com essas características. Destacam-se os de locação não-residencial (notadamente em shopping centers) e de fornecimento de energia elétrica (inclusive com consumo mínimo).
Engana-se, porém, quem acredita poder convencer o Judiciário a ser simpático com qualquer argumento apoiado na atual pandemia. Primeiro porque a parte afetada deve comprovar a correlação direta entre causa e consequência (nexo causal). Isso quer dizer que a atual pandemia, por si só, não é causa de toda e qualquer consequência. Segundo porque a parte afetada pela consequência direta deve comprovar que passou a haver desproporção entre a obrigação original e a atual.
Mesmo assim, muitos têm tentado a sorte no Judiciário ao alegar, de forma genérica e por vezes oportunista, todo tipo de razão para deixar de cumprir com as suas obrigações. Mas sem sucesso. Em diversas decisões recentes o TJSP tem afastado a meramente alegada teoria da imprevisão como lastro para suspender a exigibilidade de crédito e de encargos moratórios. Notoriamente essas são consequências que só podem ser alcançadas pelas próprias partes em negociação extrajudicial. Por outro lado, o TJSP tem acolhido pedidos de redução parcial e temporária de valores que, comprovadamente, revelaram-se excessivamente onerosos.
Ao assim decidir, o TJSP e o Judiciário em geral dão a mensagem correta. Evidenciam que, como regra geral, os contratos devem ser cumpridos, e apenas excepcionalmente é que a intervenção nos contratos deve ser tolerada, e mesmo assim desde que seja para buscar restabelecer o equilíbrio originalmente existente. Aqui a justificada preocupação do Judiciário parece ser a de preservar a própria atividade da parte que passou a enfrentar dificuldades neste cenário sem precedentes na nossa história.
Afora isso, porém, o Judiciário não tem respaldado abusos de partes que buscam obter vantagem indevida em face de credores de boa-fé. Afinal, a pandemia atual que provoca crise econômica jamais pode ser fundamento de escusa de pagamento ou de cumprimento de qualquer obrigação legal e legitimamente assumida.
Não restam dúvidas, portanto, de que o melhor cenário para as partes contratantes é a de composição amigável extrajudicial, mesmo em se tratando de hipótese excepcionalíssima como a da atual pandemia. Isto comprovadamente não só evita o desgaste da relação jurídica das partes como também a judicialização e gastos, inclusive com custas, já que também aqui a gratuidade exige prova inequívoca da impossibilidade do cumprimento da obrigação.
Enfim, como não poderia deixar de ser, as soluções razoáveis, normalmente por resolução das próprias partes, são as de manter a validade do contrato livre e legalmente celebrado, e apenas em casos excepcionais justificam-se as intervenções do Judiciário.
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